Considerado por muita gente um órgão “classe B”, sem nenhuma função importante, o baço está ganhando destaque nos meios científicos. Segundo um novo estudo, ele é muito mais do que um coadjuvante e pode oferecer uma ajuda vital, sim, em casos de ferimentos profundos e até infartos. Quem assina embaixo é um grupo de pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts e da Faculdade de Medicina Harvard, nos Estados Unidos. Eles notaram que no caso de um ataque cardíaco, por exemplo, o baço envia imediatamente células que ajudam a reparar os tecidos lesionados, o que minimiza as sequelas. É bem verdade que isso foi observado em ratos... A expectativa, porém, é que os resultados sejam semelhantes em seres humanos.
Com cerca de 13 centímetros — ou, mais ou menos, o tamanho da sua mão —, o baço pode ser comparado a uma esponja, que suga muitos invasores nocivos e não os deixa sair. Seus vasos são tão estreitos que qualquer hóspede estranho é facilmente reconhecido e, claro, combatido. Ele retém, ainda, células mortas ou doentes que estejam perambulando na circulação sanguínea. É como um filtro que faz um serviço de controle de qualidade: o sangue passa por seus vasos, repleto de glóbulos vermelhos jovens e velhos, e o baço seleciona, prende e destrói aqueles que não têm mais utilidade.
Aliás, por ser uma esponja sempre carregada de muito sangue, o baço às vezes é fundamental para manter o volume adequado de líquido em nossas veias e artérias. “Quando sofremos uma hemorragia, esse órgão se contrai para bombear depressa sangue para os vasos, restabelecendo o equilíbrio”, descreve a hematologista Denise Dourado, do Hospital do Coração, em São Paulo.
Ele é também um reservatório de monócitos. Antes que o termo cause algum desconforto, aí vai uma explicação rápida: monócitos são glóbulos brancos que ficam nesse órgão, quietinhos, sendo prontamente enviados para a corrente sanguínea quando as nossas defesas precisam de uma ajuda extra. “Existe uma enorme quantidade dessas células ali, mas elas só agem quando o organismo enfrenta alguma emergência”, explica Denise Dourado.
Apesar de ter tanta relevância para as nossas defesas, o baço é um órgão dos mais frágeis e pode sair danificado até com uma simples pancada. E daí os médicos, às vezes, não encontram outra saída: “Uma batida forte pode provocar uma ruptura e, com ela, uma hemorragia interna grave. Para resolver, em casos assim, nós precisamos remover o órgão”, lamenta informar Paulo Augusto Silveira, hematologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Há também doenças hematológicas que exigem o mesmo procedimento radical — de anemias severas e hereditárias a linfomas, passando por cistos no órgão. Quando surgem, o pequeno e discreto baço pode aumentar até dez vezes de tamanho, a ponto de saltar aos olhos de quem observa o abdômen. E é fácil entender: um baço crescido assim consegue reter muito mais sangue. Mas, aí, não guarda para si apenas os glóbulos sanguíneos velhos ou doentes, que precisariam ser descartados. Passa a sequestrar também células de sangue jovens e saudáveis. É o que os médicos chamam de hiperesplenismo. “No entanto, mesmo em episódios assim, o indivíduo só deve optar por retirar o baço em último caso, depois de tentar um tratamento com remédios”, salienta o hematologista Marcello Augusto Cesar, do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo.
Quando a operação é inevitável, a má notícia para os “sem-baço” é que, segundo estudos clássicos, tende a viver mais quem tem a sorte de preservar o órgão intacto. “É claro que dá para viver sem ele, até porque outros órgãos, como o fígado, assumirão suas funções”, diz Marcello Cesar. “Só que inevitavelmente o sistema imunológico ficará mais debilitado e, cientes disso, precisamos acompanhar bem esses pacientes, reforçando, por exemplo, sua vacinação.” Hoje, ninguém mais acha que o baço pode ser dispensado assim, sem mais nem menos.
Os antigos gregos associavam pessoas com problemas de baço ao sentimento de tédio e até ao mau humor. Hoje se sabe que o verdadeiro problema desses indivíduos é outro: seu corpo é mais indefeso e precisa de cuidados, como uma vacinação sempre em dia.
Por: Lia Scheffer. Design: Letícia Raposo.
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